Você tem que contar até três. Do um ao três. Isto era o que meu professor sempre dizia.
Em seu leito de morte, comigo na beira de sua cama pálida e fria ele encarou meus olhos uma última vez enquanto sorria e falou.
“conte até três”.
“Um, dois, três” — Repeti a ele, me forçando a olhar aqueles olhos cheios de determinação que esperavam uma resposta.
“Você esqueceu do que existe entre os números” — Ele disse enquanto fechava os olhos — “Talvez eu realmente não tenha sido um bom professor”.
Foi a última vez que o vi com vida, ele estava sorrindo.
Todas as vezes que me fez a pergunta eu respondia o mesmo, em todas eu errei, até o fim ele nunca me disse o que eu esquecia, ele nunca me falou o que existia entre os números, mas, para mim, o que existe entre eles agora é arrependimento.
O poço à minha frente foi o último trabalho que ele me deixou, a escada que leva ao seu fundo está apodrecida e qualquer passo que dou nessa descida sinto como se pudesse ser o último. Na carta que ele deixou dizia que ao fim da escada eu encontraria algo e que eu deveria tirar do poço, apenas tirar.
Não é a primeira vez que venho a este poço, eu vim a ele no dia que minha mãe morreu, o professor era um amigo dela e havia tomado a tarefa de me criar, quando eu perguntei a ele porque ele havia me trazido até este local, ele apenas me disse para contar. Foi a primeira vez.
Ao fundo do poço havia uma caixa com uma pequena tranca, estava muito escuro para enxergar quaisquer detalhes da caixa, então saí do poço o mais rápido que pude. Enquanto subia pelas escadas senti como se alguém me olhasse pelos ombros, um olhar gélido, feroz e intimista, como se o olhar estivesse vindo de mim mesmo.
Sentei à relva assim que saí, não preocupado com o estado das minhas roupas que já estavam sujas pela umidade e terra assim como eu, então sentar ao chão era o menor dos meus problemas, o que me interessava agora era aquela caixa e seu pequeno cadeado.
A caixa era extremamente detalhada com símbolos que em sua misticidade lembrava de ter visto em antigos grimórios na oficina e não entender seus significados, a madeira era de carvalho negro que pela textura era possível saber que não era um dos carvalhos negros que eu poderia encontrar em qualquer floresta comum, uma caixa que só de tocá-la era possível sentir que não pertencia a essa existência, assim como meu professor. O cadeado era um cadeado qualquer de quatro números que se acha em qualquer loja.
Ou era o que eu achei.
Ao começar a rodar seus números percebi que a primeira posição era branca, não havia números, e após ela havia o número um, dois e três. Nenhum cadeado com tão poucas posições existia, ele havia sido feito para esta caixa, ele havia sido feito para mim.
Pois até o final da vida dele, eu não havia descoberto o que ficava entre o um e o três, e essa era a última dica dele, uma dica injusta, pois ele havia me dado a opção por eliminação.
Coloquei a sequência, um, dois, ,três.
Dentro da caixa não havia nada.
Ele foi um professor até o fim. Eu nunca havia parado para respirar.
Comecei a chorar encarando a caixa.
No fim, nunca houve arrependimentos.