Gato

Hito
3 min readDec 11, 2022

--

Escuto gritos vindos do cruzamento que deixei para trás. Ainda bem que já os esqueci.

A rua que entrei é escura, fechada, dentro dela ecoa o som da morte urbana que acalma o meu peito, fui o único a seguir este caminho das pessoas que caminhavam perto de mim, como é solitário andar sozinho, como é bom saber que segui o caminho correto, o que eu não daria por estar com eles. Quem são eles.

Meus pensamentos são contaminados pelo som da morte, como uma doença ela começa a se espalhar pelo meu corpo e consciência, primeiro meus ouvidos, depois o meu peito e quando se chegava em minha boca e alma, um som, uma luz, um gato.

O gato pula de uma sombra e a sombra desaparece, ele se aproxima de mim suavemente e eu respondo a tal gesto com a sutileza correspondente, talvez até um pouco mais, me abaixando para encontrar minha mão ao seu pelo. O encontro acontece brevemente e um sorriso se forma em meu rosto, a doença se dispersa, e o gato se cansa, voltando a andar em direção as sombras e passando por mim.

Quem dera eu pudesse me virar para vê-lo de novo.

Quem dera eu me lembrasse o que estava preenchendo esse vazio em meu peito.

Meu olhar, como se procurando por um objeto perdido, acaba encontrando apenas o lixo escondido pela luz da cidade. A rua vai se tornando cada vez mais estreita e mais lixo toma conta de meu raio de visão, mas eu não me desespero, pois sei que não importa quão desprezível seja onde caminho, ele há de ter um fim, pois não existem caminhos sem fim nessa cidade, foi assim que ela foi projetada, eu estava lá, todos estavam lá, e foi isso decidimos. Pois, se existisse um fim em algum lugar, então teríamos que morrer lá, e ainda pior que a morte, teríamos que nos encontrar lá.

Enquanto ando, uma surpresa agradável, o gato voltou e está caminhando ao meu lado, sim, o gato, ele estava comigo, ele se esfrega na minha perna simbolizando sua chegada e acompanha meu ritmo enquanto se mantêm no meu campo de visão. Tento não perdê-lo de vista, não posso deixar a cidade devoro-la de novo.

Os animais são livres na cidade, livres para serem engolidos pelas sombras e vagarem pelos precipícios, isso não foi decidido quando a projetamos, eles já estavam lá, e eles já eram maiores que nós.

Houve aqueles que tentaram prendê-los, todos acabaram rejeitados e perdidos; se olharmos para o lugar de nossa alma onde o sol não toca, às vezes podemos ver suas sombras, elas formam a estrutura por onde andamos e as casas onde vivemos. A cidade não tem fim, a cidade não tem saída, ela não permite que olhemos para trás e proíbe mal aos seus moradores. Mas ela não tem misericórdia, pois a cidade não está viva.

Escuto o barulho de corvos a frente, devo estar chegando ao fim, talvez acabe nos campos ou na indústria, são onde os corvos vivem. O gato ainda continua andando ao meu lado. Ele não tem medo dos corvos, os corvos um dia serviram a eles.

Consigo ver o que me espera, não são os campos nem mesmo a indústria, mas sim algo belo e que nunca ouvi falar antes, nem poderia, mas o gato parou de andar, e eu parei também, o belo está tão perto, a felicidade está tão perto, então por que não anda, por que parou gato?

Ele se esfrega em minha perna, e se vira voltando o caminho que fizemos, e eu me viro também como em um reflexo, pois em meu íntimo eu sabia que a felicidade não teria sentido sem o gato ao meu lado. Mas ele não está mais lá. E eu grito.

--

--

Hito
Hito

No responses yet